quarta-feira, agosto 30, 2006

Bem Vindo à Selva, em 3 atos

1º ato

Chego à cidade de Caxias do Sul numa manhã muito fria, com a temperatura em torno de dois graus. Me surpreendo com a atenção e educação das pessoas. Me desloco até a cidade de Flores da Cunha, distante poucos quilômetros, e a surpresa é a mesma. Povo educado e atencioso. Retorno à cidade de Caxias do Sul, a segunda maior do estado do Rio Grande do Sul e, em conversas, elogio a cidade. Elogio sincero. Percebo uma certa preocupação das pessoas em frisar que a cidade já padecia do problema da violência. Já não se sentiam tão seguros como em outros tempos. Caxias do Sul já é uma cidade violenta, afirmavam muitos, mas ainda uma boa cidade.
Não vi miseráveis pelas ruas, nem crianças abandonadas, nem subempregados. Certamente que deveriam existir, mas não os vi em qualquer esquina.
Interessado na questão da violência, inquiri acerca das modalidades instauradas naquela comunidade. Ouvi que as ocorrências mais constantes eram roubos de rádios de carros e assaltos a mercearias e quitandas, em rápidas investidas. Sem dúvidas, situações que colocam em risco os cidadãos. Mas, confesso que banalizei a questão com um certo ar de desdém em função de uma convivência com situações de violência mais graves.

2º Ato

Retorno ao Rio de Janeiro com a tranqüilidade de quem volta de uma viagem de férias. Numa visita rápida a meu pai, fico impossibilitado de sair do estacionamento porque um motorista parou o veículo na única saída. Coisa banal.
Volto ao trabalho e, após muitos dias, travo meu primeiro contato com o noticiário.
Leio que, por ressentimento de uma discussão, um homem bate com um pedaço de mármore na cabeça de uma mulher no interior de uma casa anunciada para aluguel. Em continuidade, corta-lhe o pescoço até que o sangue escorra por completo. Não satisfeito, serra-lhe o corpo ao meio na altura da cintura. A partir daí, consome quatro horas limpando a casa do sangue escorrido. Coloca cada metade do corpo em sacos plásticos e deixa-os numa rua movimentada da zona sul, em locais diferentes. Preso, o assassino diz-se humilhado pela vítima e, por isso, fez o que fez.

Final

Na escola de selvageria, os operadores de “micro ondas” onde torram repórteres e desafetos, os assassinos de pais e mães, os estupradores e esquartejadores de pessoas anônimas, podem ter efetuado sua iniciação a partir da prática ou do exemplo de pequenos furtos, numa progressão de absurdos que parecem competir numa brutalidade que ainda nos surpreende, felizmente.
Certa a população de Caxias em preocupar-se com seus delitos e delinqüentes. Talvez sejam mais felizes na construção de uma comunidade menos bruta.
Quanto a mim, lembro que já comentei sobre a banalização da violência e em tempos mais recentes, sobre a banalização da loucura. Não imaginei, confesso, que chegaria a comentar sobre a banalização da maldade. Uma maldade órfã, selvagem. Sem autoridades, sem regras, sem perspectivas de melhoras até que cerrem as cortinas.

terça-feira, agosto 29, 2006

Com a Alma Nova

“Sempre que te vejo assim linda,
nua e um pouco nervosa,
minha velha alma cria alma nova...”

Estou voltando de férias e a música do Zeca Baleiro define bem o estado d'alma.
Muita novidade, algumas idéias e a vida escancarada à frente. Linda, nua e um pouco nervosa.
Vamos lá...

domingo, agosto 20, 2006

Contatos Imediatos

Numa aparente displicência ela leva a vida, traindo-se numa não menos aparente naturalidade. O olhar não revela os delírios íntimos. Mantém-se firme, com a ponta do lindo nariz indicando o rumo.
Do outro lado, ele prossegue numa rotina com a mesma aparente naturalidade.
Ah, as aparências. Que seria de todos sem as máscaras?
Fullana estampa a sua de bem sucedida. Na vida e no amor. Máscara que só retira no silêncio do leito.
Silêncio ardente de recordações. Pensa nele. Sente seu gozo por todo o corpo. Cabelos, boca e seios. O ventre se dilata para recebê-lo numa visita silenciosa que não se concretiza. Adormece.
Distante dali ele agoniza nas mesmas fantasias e sente o gozo de Fullana nas mãos, na boca, no falo. Tão intensa fora a realidade que confunde-se nos devaneios de desejo. Adormece sentindo o tempo passar.
Distância que não separa. Desejo que não acaba. Desafiando a invencibilidade do tempo que persiste tentando apagar as marcas.
Talvez o mesmo tempo ocupe-se de retirar as máscaras e apagar as digitais, tornando-os atores sem papel. Nus de si mesmos.
E então poderão casualmente entrar num elevador juntos e olharem-se com naturalidade sem revelar contatos silenciosos que o tempo ou o olhar dos comuns fossem capazes de captar.
Engano.
Olhares atentos poderiam perceber, no brilho dos olhos deles, que ainda pensam um no outro.
eXTReMe Tracker