segunda-feira, novembro 01, 2004

Pelo Olhar

Pelo olhar, o diretor de cinema costuma apreciar a cidade de uma maneira incomum. Tirar os óculos, no caminho para casa, lhe proporciona a verdadeira viagem, onde a alma vai bem adiante do corpo paralisado.
Dentro do táxi, com as imagens desfocadas se movimentando à frente, fica admirando a cidade como uma mancha de luzes multicoloridas cheias de movimento. Aquela experiência quase lisérgica, só o olhar poderia proporcionar.
Também pelo olhar, os amantes fazem as mais secretas e intensas declarações. Silenciosas. Uma linguagem de almas, onde o prazer do amor não encontrava palavras. Se as encontrasse, não seriam suficientes. Acariciam, seduzem, pedem mais, declaram: Estou contigo! Os olhares se bastam. Cúmplices.
Pelo olhar os dois caminhavam pela calçada. O branco, na frente, ia mais rápido, talvez por ser mais novo. O negro, atrás, esforçava-se num aparente cansaço, persistindo em seguir o companheiro. Às vezes se distanciavam tanto que nem pareciam estar juntos. Mas, assim que percebia, a criatura branca parava e olhava para trás, buscando o outro. Ficava ali parada até que seu olhar encontrasse o atrasado companheiro. Enquanto seus olhos acompanhavam os esforçados passos apressados da criatura negra, ela esperava pacientemente, sem nunca desviar o olhar. Quando ocorria novamente a aproximação, os dois paravam, olhavam-se e seguiam, num caminhar para não sei onde. A cena se repetia em intervalos de tempo, sempre quando um perdia o outro de vista.
Era evidente aquele interesse fraterno. Existia um certo carinho naqueles olhares. Companheirismo talvez.
Caminham até que param e deitam-se na calçada suja. Um próximo ao outro, olhando-se. Um pedindo descanso, o outro concordando.
Até aqueles dois cachorros, que para muitos não passariam de vira-latas abandonados naquela rua, se entendiam pela linguagem do olhar. Sem latir. Sempre o olhar.
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