quinta-feira, agosto 12, 2004

Iblis(*)

Estranha aquela tribo. Uma criatura sentada no chão, num canto. Vestida de negro. Cabelos negros. Não parecia ter a alma negra. Talvez estivesse tingida, intencionalmente.
Aliás, muito estranha era aquela tribo. Agrupados, vestidos de negro num ambiente onde a presença da luz era tímida.
Todos, ou a maioria, com cabelos longos. Longos e bem cuidados. Tanto, que não era possível distinguir os meninos das meninas.
Mas, eu transitava com desinibição entre eles. Me sentia estranho por isso.
À minha frente, uma figura pintada em vermelho na parede negra, meio humano, sem face, foice na mão, assume posição ameaçadora, trevosa. Mas, nenhum dos presentes parecia sentir-se ameaçado.
Apagam as poucas luzes. E enquanto bombardeiam fumaça no ambiente, surgem cinco figuras louras no palco. Louros. Eram Finlandeses. Childrem of Bodom. Que diabos é isso? Indaguei. Iblis II sorriu.
A turba agita-se quase em êxtase. Levantam punhos, com gritos de Yeah!
Muitos decibéis de Rock despejados.
E balançam os cabelos para um lado. E balançam para o outro. E repetem. Repetem. Todos acompanham e aprovam com gritos, Yeah!
Por momentos lembro das propagandas de condicionador. Diabólicos, sedutores. Mas é um outro Rock’n Roll. Talvez um Menudo Rock.
Não compreendi muito o que cantavam, ou rosnavam. Identifiquei uns cinqüenta e sete Fuck You e outros trinta e poucos Mother Fuck, coitadas das mães.
E enquanto os louros e suas cabeleiras tentavam parecer diabólicos para a sua tribo, Iblis II sorria ironicamente daquela santa ingenuidade.
Reconheço presente, um tanto melancólico, sentado em seu velho trono Gibson o velho Iblis Pai. Roqueiro das antigas, dos tempos de Jimi, Janis, Led, Deep, Black e outros que ainda alimentam as gerações, inclusiva a minha.
Compreendi então porque me sentia tão à vontade. Intimamente eu era um pouco pai daqueles inocentes roqueiros.

(*) Iblis é um nome atribuído ao Demônio no Alcorão.
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