quarta-feira, janeiro 03, 2007

Estranho Percurso

Ela disse: vamos conversar e ele entendeu: ela não concorda.
Ele disse: eu gosto de você e ela entendeu: ele não me ama.
Ela disse: pode ser amanhã? Ele entendeu: ela me rejeita.
Ele disse: não quero e ela entendeu: ele não me quer.
Ela falou alto e ele entendeu que ela gritava com ele.
Ele evitou falar muito e ela entendeu que ele a ignorava.
Pensou em quão estranho era o percurso das palavras. Elaboradas num cérebro qualquer, formatadas ou juntadas em frases, são impulsionadas por um fluxo de ar e lançadas com o molde da concepção.
Uma vez concebidas, faladas, já no mundo dos ouvintes, encontram-se impregnadas de sons, entonações, que lhe dão uma característica especial. Já não são só palavras, letras arrumadas lançadas ao ar. Nesse mundo dos ouvintes chegam sonoras e por uma estranha decodificação transformam-se no que o ouvinte quer ou consegue entender. Entram pelos ouvidos e contaminam o corpo. Podem provocar tremores de amor e ódio, lágrimas de alegria ou tristeza, adoçar ou amargar a boca, dilatar as pupilas ou tranqüilizar o olhar. Chegam ao cérebro diferentes da forma original.
Muitas vezes são esquecidas, mesmo quando fundamentais. Outras são guardadas, impregnadas de imagens que foram meras figurantes, perdendo seu contexto e permanecendo lá, como um cravo pronto a provocar sangramento a qualquer sinal de recuperação, alimentadas pelo desamor.
Na fonte permanecem originais, incorruptíveis, pretendendo lidar com os sentimentos sem violações oportunistas, prontas para quando ele disser: vamos conversar! Ela saiba: vamos nos entender.
Ela disser: meu querido, ele saiba: meu amor.
Ele disser: pode ser amanhã? Ela saiba: vamos!
Ela disser: não quero, ele saiba: ela não quer.
Ele disser: deliciosa, ela saiba: sou eu.
E quando ela ficar em silêncio ele saiba que é hora de beijar-lhe a suave boca.
Estranho percurso esse das palavras.
eXTReMe Tracker