domingo, dezembro 19, 2004

O arame e o tempo

Foi à cozinha fazer uma vitamina de frutas mas não começou. Voltou à sala, sentou numa cadeira de balanço e pegou o telefone. Pretendia ligar para alguém.

O cérebro enevoou, turvou-se e ele lentamente, sem possibilidade de controle, escorregou da cadeira ao chão e lá ficou imóvel, dos pés à cabeça. Ou melhor, do cérebro aos pés. Assim meu pai sofreu um Acidente Vascular Cerebral grave.

O tempo o havia colocado num fio de arame para uma caminhada precisa, sem margens a erros ou vacilações, inevitável e sem volta. Logo ele, amigo de uma vida inteira, que pela eterna dedicação me fez vê-lo como o maior de todos, imbatível, abatido pelo tempo.

Como não conseguiria fazer de outra forma, passei a acompanhar-lhe os passos, momento a momento, nesse tão estreito caminho, como que querendo orientar-lhe para não cair do fio mesmo sabendo que a cada um cabe o caminhar. Não posso pegar na sua mão como tanto ele fez comigo mas posso torcer pela generosidade do tempo e do arame, que lhe divide dois mundos.

Felizmente, existe uma feliz e inexplicável lucidez que nos permite conversar. Recados, elogios às enfermeiras, os resultados do futebol, pagar contas, passaram a constituir assunto fundamental. O único indicador que o tempo nos deixou foi esse, o nível de lucidez. Por aí observamos como está essa caminhada pelo fio de arame.

Quanto ao fim disso tudo, somente o tempo tem a resposta e infelizmente ainda não me soprou.

O tempo, que antes já marcava cada passo, me impossibilitou de continuar escrevendo e publicando aqui. Não que faltem idéias, muito pelo contrário, mas falta ele, o tempo.

Assim me mantenho atento e esperando para em breve, poder contar mais essa história. Espero que com final feliz.

Um forte abraço a todos os amigos, um bom Natal e, se sobrar um tempo, torçam.

eXTReMe Tracker