O arame e o tempo
Foi à cozinha fazer uma vitamina de frutas mas não começou. Voltou à sala, sentou numa cadeira de balanço e pegou o telefone. Pretendia ligar para alguém.
O cérebro enevoou, turvou-se e ele lentamente, sem possibilidade de controle, escorregou da cadeira ao chão e lá ficou imóvel, dos pés à cabeça. Ou melhor, do cérebro aos pés. Assim meu pai sofreu um Acidente Vascular Cerebral grave.
O tempo o havia colocado num fio de arame para uma caminhada precisa, sem margens a erros ou vacilações, inevitável e sem volta. Logo ele, amigo de uma vida inteira, que pela eterna dedicação me fez vê-lo como o maior de todos, imbatível, abatido pelo tempo.
Como não conseguiria fazer de outra forma, passei a acompanhar-lhe os passos, momento a momento, nesse tão estreito caminho, como que querendo orientar-lhe para não cair do fio mesmo sabendo que a cada um cabe o caminhar. Não posso pegar na sua mão como tanto ele fez comigo mas posso torcer pela generosidade do tempo e do arame, que lhe divide dois mundos.
Felizmente, existe uma feliz e inexplicável lucidez que nos permite conversar. Recados, elogios às enfermeiras, os resultados do futebol, pagar contas, passaram a constituir assunto fundamental. O único indicador que o tempo nos deixou foi esse, o nível de lucidez. Por aí observamos como está essa caminhada pelo fio de arame.
Quanto ao fim disso tudo, somente o tempo tem a resposta e infelizmente ainda não me soprou.
O tempo, que antes já marcava cada passo, me impossibilitou de continuar escrevendo e publicando aqui. Não que faltem idéias, muito pelo contrário, mas falta ele, o tempo.
Assim me mantenho atento e esperando para em breve, poder contar mais essa história. Espero que com final feliz.
Um forte abraço a todos os amigos, um bom Natal e, se sobrar um tempo, torçam.
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