Malícia das Mulheres
- Meu amor, você tem carne de cabra?
Com aquele “meu amor” o açougueiro arranjaria a carne da tal cabra de qualquer forma e não foi diferente. Mais tarde mandou entregar o corte solicitado na residência da sua cliente especial.
De posse do corte, postou-se na cozinha, sacou sua faca mais afiada e fatiou com carinho. Pegou os escalopes com suas leves mãos reservando-os em um prato branco. Um fio de sangue escorreu entre os finos dedos e acelerou pelo antebraço num prenúncio estranho. Fullana não se incomodou. Limpou-se primeiro com a língua e depois com um pano de prato.
De um recipiente coberto com um pano branco retirou algumas folhas que haviam adormecido no sereno de uma lua minguante e já estavam devidamente secas. Piper Capense, Dendezeiro e apenas uma folha de Mimosa Pudica também conhecida como Malícia-das-Mulheres, a cara de Fullana, ingrediente fundamental na receita que recomendava cinco folhas. Triturou pacientemente as folhas ao som do Prelúdio nr. 10 em Mi menor de Bach. Colocou seu axé e sem pressa peneirou-as para aproveitar o pó mais fino. Delicada, como sempre.
Esperou pacientemente seu querido chegar e beijou-o calorosamente sem antes desconfiar do novo aroma que trazia. Sem comentários e com a mesma aparente displicência de sempre temperou a carne com sal, um pouco de dendê e o pó. Fritou-a em deliciosos e suculentos bifinhos. Serviu quente, com outras folhas menos suspeitas, para deleite do seu amado. Recebeu elogios pela iguaria exótica.
- Você faz mágicas na cozinha, parece uma bruxa que só faz coisas boas.
Fullana presenteou-o com seu sorriso leve e desconcertante enquanto seus olhos brilhavam num convite ao amor. Amaram-se e dormiram.
Pelo meio-dia Fullana raspa as pernas com a tranquilidade de um personagem de Grimble, sentada num banco da varanda, enquanto ouve seu companheiro dissolver-se em vômitos no banheiro. Era apenas o começo de uma longa semana onde a cena se repetiria muitas vezes levando-o a um quadro digno de pena. Perdeu peso, só bebeu líquidos e teve vontade de morrer, naqueles dramas que só os homens sabem fazer quando estão mal.
Após o sétimo dia sente-se melhor, bem melhor, embora enfraquecido. Fullana afaga-lhe a cabeça e sussurra como a um neném:
- Não vai trabalhar, meu querido?
- Estou melhor, mas não sei se estou em condições.
- Pode ir tranqüilo, já passou.
- Como você pode saber?
- Dessa vez te botei para vomitar uma semana, da próxima vez que você aceitar jantar a negócios com aquela bandida do escritório vai vomitar o resto da vida, até morrer.
No armário assegurou-se de que o livro de receitas africanas estava guardado em segurança. O marcador delimitava a página com o título “Receita para Homem Enjoar de Mulher”. Ela não teve coragem desta vez e usou apenas parte da receita. Mas só desta vez.
Beijou-o na teste a saiu para sua caminhada matinal sem nenhum remorso.