terça-feira, setembro 06, 2005

Álbum de Fotografias II - Anjo

Fullana achava o Ademar um bom sujeito. Quase nunca de mau humor. Era daqueles que raramente deixavam de rir. Não aquele riso chato, impertinente, mas o riso dos alegres, dos felizes, dos gordos. Sorriso farto, recheado, com molhos e sobremesas.
Ademar pesava cento e cinqüenta quilos que nunca limitaram aquela desenvoltura característica dos bem relacionados. Transitava com facilidade em meios heterogêneos. Relacionava-se com políticos, religiosos, vizinhos, amigos de infância e todo tipo de gente. Era uma criatura social, não discriminava ninguém e estava sempre pronto para uma conversinha. Tinha bom papo.
Amava a boa mesa. Quando Fullana queria ver o Ademar feliz era só colocar um bom prato de comida na frente dele, de preferência cheio, bem cheio. Ele sorria e mandava:
- Você está querendo agradar o gordo, né? E gargalhava antes da primeira garfada.
Era religioso. Um homem de fé. Mas entregava-se ao pecado da gula sem remorsos. Até feliz.
Às vezes víamos o Ademar distribuindo santinhos e mensagens religiosas aos amigos, sempre com desenvoltura e gestos pastorais. Mas o que gostava mesmo era movimentar a turma do escritório nas ações sociais. Recolhia alimentos, roupas, agasalhos, brinquedos, tudo encaminhado a instituições que cuidavam de desvalidos. Era um homem bom, um incansável, um anjo.
Mas tinha um gosto especial por outro pecado. A luxúria.
Adorava uma sacanagem. Falou em sacanagem, o Ademar estava lá. Sempre rindo muito, alegre. Sentia-se numa segunda casa em qualquer prostíbulo. Era tratado com um carinho quase familiar pelas prostitutas às quais chamava de primas. Ciceroneava os amigos novatos indicando atributos, desempenho e aptidões de cada mulher de aluguel.
Numa das últimas quedas, um amigo convidou o Ademar para uma festinha particular. Entrou em estado de ansiedade aguda.
- É uma suruba? Quantas mulheres? Não quero nem que Deus me ajude.
Esfregava as mãos enquanto revirava os olhos.
Fullana preferia fingir que de nada sabia.
À noite o Ademar estava lá. Bebendo e entregando-se ao seu pecado predileto cercado de jovens dadivosas.
Chegou em casa já madrugada e entrou na ponta dos pés.
No dia seguinte estava no trabalho pontualmente e lá pelo meio da manhã foi visto entregando papéis delicados em forma de pergaminhos aos colegas. Fullana não se conteve.
- Que é isso Ademar?
- São convites para um encontro de casais com Cristo que estou promovendo.
E olhou Fullana com cara de cão triste. As olheiras da noitada eram evidentes.
- Tu não tem vergonha não? Vai para a orgia e volta com essa cara de pau? Seu safado!
Ademar tinha resposta para tudo. Disfarça e a puxa Fullana pelo braço para um canto do escritório.
- Olha aqui. Dos sete pecados eu tiro cinco de letra. Só perco em dois. Cinco a dois pro papai aqui, é goleada minha querida. Hoje é dia de feijoada, vamos almoçar juntos?
E sorriu o seu melhor sorriso.
Era um anjo, quase decaído.
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