quinta-feira, agosto 18, 2005

Gesto Salvador

Se não for ao templo não vai sair. Recebeu a ameaça e ficou sem saber o que fazer. Enrolou-se no lençol, tal qual uma burka, com os olhos negros de fora, indignado. Tinha ensaio com sua banda de rock, adolescente como ele. Teve vontade de gritar mas convenceu-se de que não adiantaria. Preferiu abraçar a guitarra que compartilhava a cama.
Resignado como sempre, concordou. Tá bom, eu vou. Mas depois vou sair, negociou pensando que estava equilibrando a situação. Vai lá, menino. Talvez te convidem para tocar no grupo da igreja, argumentou a senhora, convicta de que estava oferecendo-lhe um caminho melhor. Ele torceu a boca e preferiu não comentar.
Passaram algumas horas e lá estava aquele menino cabeludo entrando no templo religioso. Nunca tinha imaginado ir num lugar daqueles.
Rapidamente foi cercado por animados religiosos que se encarregaram de encorajá-lo a aceitar o Senhor. Ele apenas sorria educadamente. Ofereceram água e colocaram-no na primeira fila sentado sem muito aperto. Apesar da sua aparente displicência, percebeu o burburinho daqueles que tinham como certo um relato futuro de conversão. O menino que nem se preocupava com isso, estava ali sentado como quem toma um comprimido para não ter dor de cabeça.
Um senhor de terno ocupa uma pequena tribuna, cumprimenta a todos e dirige um olhar especial a ele, que não chega a abalar-se. Era tranqüilo.
Ao convite para o louvor, um conjunto dispara seus instrumentos eletrônicos numa melodia feita para chorar. Não chegou a entender o que cantavam mas percebeu claramente que as cordas si e mi da guitarra estavam desafinadas e que o baterista se atrapalhava no contra-tempo. Achou que a cantora poderia ter problemas vocais se continuasse abusando dos gorjeios e ressonâncias. Mas, não era a banda dele.
O orador falou durante uma hora, o que lhe rendeu um pouco de sono que só foi quebrado quando aquele senhor começou a falar numa língua estranha, incompreensível, que parecia ter mais consoantes que vogais. Disseram ser a língua do senhor. Teve vontade de perguntar porque o senhor falava numa língua que ninguém entendia mas não deu tempo, o conjunto começou uma nova música.
Após oito hinos, dois sermões, muitos louvores, sono e a bunda dormente, sentiu terminado seu compromisso. Levantou-se, arrumou a velha calça jeans, os cabelos e dirigiu-se à saída do templo quando foi abordado por um grupo.
- E então, você aceitou Jesus?
O menino sorriu timidamente e, contemporizando:
- Vou pensar, tá legal?
O grupo, ainda esperançoso, pediu que pensasse com carinho.
Já no portão, recebe um aceno de todos com um até o próximo encontro.
Educadamente ele sorri e num gesto quase automático ergue a mão direita fechada em punho, levanta o indicador e o dedo mínimo despedindo-se com um aceno em forma de chifres.
Roqueiro, traiu-se num último gesto para decepção geral entre os obreiros. Coisas da sinceridade juvenil.
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