terça-feira, agosto 16, 2005

Inércia e Destino

Naquela tarde de sol, ele sentou na areia e ficou lá olhando o mar. O céu, nesses dias de inverno, ficava incrivelmente azul e o sol em nada lembrava àquele dos dias de praia cheia. O sol era também de inverno. Morno, doce, parecendo chá do final de tarde.
O mar estava particularmente esverdeado e no horizonte confundia-se com o azul do céu. Talvez mera tonalidade.
Lembrou-se do edredom de dupla face que usava para cobrir-se nessas noites de inverno. Uma vez azul, outra verde. Macio como a pele de Fullana.
Uma onda mais forte traz a espuma morna, comum no inverno dessas praias do Rio, que envolve os seus pés para depois desfazer-se em gotas de sal.
A mesma onda traz uma rosa branca ainda bela, deixando-a na areia. Ele admira aquela beleza alva imersa novamente em outra beleza esverdeada. Uma nova onda aproxima um pouco mais aquela rosa dos seus pés, que passa a merecer uma atenção dividida com o mar.
Um ou outro espinho roça a pele provocando uma dor quase lúdica, nada grave, daquelas de brincadeira de criança.
Aquele contato de pele, físico, sensível nos poros, contraste entre flor e espinho, lhe aviva a presença dela.
Antes que conseguisse pegar-lhe firme na mão, uma nova onda de espuma varre a flor da areia depositando-a já distante dele.
Havia esquecido do mar, do céu, das cores. Só havia o branco. Das espumas, da rosa, dela.
Pensa em levantar-se e buscá-la, mas conta que talvez o mar pudesse trazê-la novamente para junto de si.
Uma fatalidade. Nesse tempo, uma esteira barulhenta recolhe a flor num golpe de fúria mecânica arremessando-a num imenso compartimento metálico, estraçalhada e parcialmente soterrada por um pouco de areia e água do mar. Era o fim.
Agora, aquela bela flor compartilha o ambiente comum àqueles que aguardam o seu triste fim, em decomposição.
Na metáfora das transformações do amor, experimentaram o mesmo destino. Ela por inércia, ele por deixar de pegar-lhe firme na mão.
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