quarta-feira, julho 20, 2005

A Idade e o Ciúme

Acordou cedo. Meio preguiçoso, esticou-se e ficou sentado na cama alguns minutos. Dormiu sentado e acordou com a segunda investida do despertador.
Cambaleando, levantou e foi direto para o chuveiro numa tentativa de acordar.
Acordou.
Short vermelho, camiseta olímpica, um tênis de última geração e aquela maldita barriguinha saliente.
Partiu para a sua corrida matinal, antes do trabalho. Na verdade, era a sua primeira corrida matinal após muitos anos de inatividade, mas ele nunca admitiria isso aos amigos.
Ficou exausto, óbvio. Sentiu-se um verme ao retornar para casa, após percorrer os míseros dois mil metros do percurso, tropeçando nas pedras portuguesas da calçada.
- Estou acabado. Acho que fiquei velho. Resmungou.
Fullana tentou animá-lo:
- Que é isso? Você está ótimo. Daqui a pouco você está tirando esse percurso de letra. Porque você não se inscreve da meia maratona de masters?
- Pois é, corrida de velho! Irritou-se.
Fullana disfarçou e foi para o banheiro morrer de rir. Ele estava arrasado, era verdade, e rir na frente dele uma maldade.
Ele tomou novo banho, vestiu-se elegantemente, numa tentativa de elevar a moral, e foi trabalhar ainda um pouco cansado.
Fullana tentou melhorar as coisas com um beijo na saída de casa.
- Nossa! Que gato!
Ele miou para ela, na tentativa de não perder seu habitual bom humor. Saíram juntos.
Pegaram o metrô. Com o vagão um pouco cheio, um rapaz levanta-se e lhe oferece o banco laranja, preferencialmente destinado aos idosos. Todos olham para ele. Na verdade, talvez poucos tenha atentado para a situação, comum no metrô, mas ele se acha observado pelo planeta inteiro. Fullana, obviamente, olhou para o lado oposto, prendendo o riso.
Ele agradeceu e recusou a oferta. Era educado. Outras pessoas entraram e saíram do vagão. O banco laranja ficou lá, vazio, como que esperando por ele.
Tomou força a idéia da velhice.
A manhã passou e esqueceu um pouco o assunto.
No almoço, entra numa loja de doces onde é atendido por uma linda moça.
- Posso ajudá-lo, senhor? Sorriu a jovem, insinuando-se numa falsa servidão.
Aquela inocência perversa, segundo ele, liquidou qualquer intenção. “Ajudá-lo” e “senhor” foram duas palavras que soaram cruéis naquele dia. E logo daquela menina com carinha de anjo e olhar de diaba.
Era sincero, comentou com Fullana e ouviu um sonoro:
- Bem feito, seu cachorro.
Arrependeu-se. Fullana não esqueceria aquilo.
A tarde demorou a passar. Precisava encontrar forças para superar a idéia obsessiva da velhice.
Quarenta e oito anos não é idade de velho, pensava quase convencido.
Chegou em casa depois de Fullana. Jantaram juntos num meio silêncio.
Ligou a televisão, coisa que nem sempre fazia, e lá estava uma reportagem do maldito telejornal. Uma animada senhora convidava as pessoas a ingressarem num clube da terceira idade. Teceu todas as vantagens e foi auxiliada pelo repórter:
- O que precisa para entrar no clube?
- Apenas muita disposição e ter mais de quarenta e cinco anos. Sorriu a animada velhinha.
Ele arriscou um olhar para Fullana. Ela encheu as bochechas tentando prender o riso, mas não resistiu, morreu de rir.
- Vai lá se matricular, seu pedófilo das docerias.
Ele se calou e pensou em comprar um pijama.
Ao dormir, Fullana deu o golpe final:
- Vou fechar a janela. Você está com o corpo quentinho e pode pegar um golpe de ar. Pneumonia em idoso é um problema e duvido que aquele anjinho safado da doceria saiba cuidar de doente. E velho.
Ele preferiu fingir que estava dormindo. Ela virou para o lado e sorriu. Era pura provocação, o ciúme já tinha passado.
Apagou a luz e discretamente encostou o corpo no dele. Ele estava quentinho mesmo.
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