quinta-feira, junho 16, 2005

Coincidências da Fé

Entrou na igreja. Experimentava um estranho aperto no peito. Não sabia se era angústia, tristeza, mágoa ou saudade. Talvez fossem todos os sentimentos juntos, talvez fosse o nada, o vazio, um daqueles sentimentos de perda pela morte.
Olhou para o pedinte de olhar distante sentado no primeiro degrau do templo. Viu-se num espelho.
Sentou num banco e ficou ali parado, com o mesmo olhar do pedinte, aguardando o início da cerimônia.
Entrou o padre, devidamente paramentado em branco, ouro e lilás. Benzeu-se e, antes de iniciar a missa, estranhou a única presença na igreja. Toda a igreja vazia naquela tarde de maio e apenas aquele homem sentado ali, naquele segundo banco.
Na continuidade de suas funções sacerdotais, celebrou, em nome do Pai, a missa em pedido de graças por uma mulher cujo nome lhe causava estranheza.
Ele assistiu à missa em luto de amor e permaneceu sentado no banco após o final.
Na sua solidão sente a presença de alguém.
- A missa foi pedida pelo senhor? Pergunta o simpático padre.
- Foi sim.
- Que bonito, pedir graças por uma pessoa.
- Na verdade queria pedir uma missa em memória dela. Como se ela já tivesse morrido há trinta dias.
- Que lástima! Fullana Maria morreu?
- Acho que não. Mas gostaria que tivesse morrido, dentro de mim.
O padre levanta-se e vai embora achando-o louco. Padres não amam mulheres, dizem.
Ele continua ali, nos seus pedidos para esquecê-la. Distraído, lembra dos cabelos de Fullana, seu corpo, suas mãos macias e suaves, seus gemidos e setenta e tantos prazeres. Flagra-se em insistentes súplicas para que Ela retorne.
Continuou ali, pedindo como o homem de olhar perdido da entrada. Só um milagre curaria aquela ausência. Não acreditava em milagres.
Enquanto isso, Fullana orava em silêncio em frente ao pequeno altar instalado no seu quarto, sobre a sua gaveta de calcinhas. Só os santos, cúmplices no amor, sabiam o que pedia. Mas condoeram-se em flagrá-la igualmente. Coincidências da fé.
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