quarta-feira, junho 29, 2005

Declarações

Todo dia dos namorados e em outras datas comemorativas, daquelas que só casais apaixonados lembram, era a mesma coisa.
- Me escreve um cartão? Pedia ele.
- Comprei um presentinho lindo para você. Desconversava Fullana.
- Só aceito com cartão. Unzinho só.
- Ah, sou tímida para escrever. Pode ser depois?
Fullana fazia cara de filhote de cão abandonado e ele desistia. Não era possível resistir. Amansava ouvindo aquela voz quase rouca.
Ele gostava de declarações de amor.
- Diz que me ama.
Ela, suavemente acariciando o rosto dele, apenas sorria com uma fina ironia e dizia:
- Mas você já sabe.
- Sabe o quê? Ele reclama docemente.
- Tudo.
- Tudo o quê? Insiste.
- As coisas, ora.
- Que coisas? Suplica.
- Todas.
Exausto em sua argumentação, desiste mais uma vez.
Conformado, encontrou-a animadamente no último dia dos namorados. Beijos, carícias e presentes. Já contava com as habituais juras de amor implícitas mas, com surpresa, recebe dois cartões.
Fica radiante feito criança. Ela, numa falsa timidez, observa a leitura.
No primeiro cartão, endereçado a ele mesmo, em duas pequenas linhas ela declarava seu carinho e alegria por tê-lo ao seu lado. A carinhosa objetividade de Fullana.
No outro cartão, inserido num vistoso envelope azul, ela derramava-se em declarações amorosas e picantes, mesmo pornográficas, em mais de vinte linhas. Estava endereçado ao Lindo, nome carinhoso com o qual se referia ao órgão sexual do namorado. Coisas de Fullana.
Num estranho sentimento dicotômico, ficou sem saber se gostava ou não dos cartões. Mas gostou. Quem não gostaria?
Declarações eternas, únicas, marcadas na própria anatomia. Generosidade de Fullana.
Ficou a certeza de uma coisa: tímida para escrever ela não era.
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